[REVISTA DA FIEC] Elisa Gradvohl - A trajetória de quem aprendeu com a vida

                                                                                                                                                                                                       

A síntese da boa relação com os irmãos ela resume de forma simples e direta: "do jeito que eles faziam eu fazia também". Essa conexão nas brincadeiras de infância a permitiram desenvolver uma capacidade de liderança que até hoje marca a trajetória e a imagem de mulher que se fez e faz respeitada pela tomada de decisões.

Mas se essa fortaleza e independência a aproximam do perfil de dureza característicos da mulher nordestina, oriundos da mãe, é do pai que Elisa refere-se com propriedade. "Meu pai era meu ídolo", afirma sem titubear. Mesmo diante dessa afirmativa, não se arrisca a dizer que puxou a um ou a outro. "Sou um pouco de cada", ressalta, sorrindo. Não é para menos. Da mãe, lembra do cuidado com a casa, com os filhos, e dos valores que sedimentaram a formação familiar. Foi também da mãe que recebeu o ensinamento de que a vida não será para sempre o mar de rosas que pode parecer quando ainda se é criança.

Já sobre o pai, faz questão de rememorar a atenção e o zelo dedicado aos filhos e o conforto proporcionado a todos. "Nunca nos faltou nada, apesar de virmos a saber depois das dificuldades enfrentadas por ele", afirma. Nascido no Brasil, mas de origem francesa, o pai de Elisa mudou-se para a França com menos de um ano de idade. Como a família paterna tinha negócios no Ceará, que por intermédio do avô, administrava uma trade, o pai de Elisa Gradvhol acabou com o tempo cuidando desses empreendimentos. " Meu avô passava seis meses aqui e os outros na França e o meu pai é que cuidava das coisas por aqui", destaca.

Os negócios com a trade duraram até a década de 1940, quando uma tragédia abalou a estrutura familiar por parte de pai. Os tios de Elisa foram mortos durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, em uma câmara de gás. "Depois disso a minha família acabou vendendo tudo que tinha no Brasil e meu pai passou a ser um corretor de exportação e importação".

Elisa ainda não havia nascido quando os parentes foram vitimados no conflito mundial e a história sobre eles só lhe foi contada quando adulta. Foi a forma que o pai adotou para preservar a família das agruras de um período obscuro da história da humanidade.

A preservação adotada pelo pai em relação ao drama familiar vivenciado na segunda guerra mundial se estendeu aos cuidados práticos na vida cotidiana dos filhos e da mãe. “Nunca nos faltou nada, apesar de ele ter sido sempre um homem muito trancado. Na dele”, destaca Elisa.

A morte do pai, todavia, fez com que a mãe assumisse as rédeas da família. “A partir do momento que ele morreu, nossa mãe nos reuniu e disse que agora íamos ter que lutar pela vida. Tivemos que cair em campo”, afirma. “Minha mãe era toda certinha. Foi uma mulher guerreira e o esteio de meu pai”.

Elisa Gradvohl não fugiu à regra implícita na mensagem materna. “Depois que ele morreu tivemos que correr atrás”. Ela, especificamente, começou a dar aulas como professora particular. “Fui ensinar matemática. Meu pai sempre gostou de fazer contas de cabeça e isso me influenciou. Até hoje faço mais conta de cabeça do que usando máquina, quando dá”.

O casamento com Antônio Gil Fernandes Bezerra acontece em 1963, época conturbada da história brasileira. Dois anos antes, o presidente Jânio Quadros havia renunciado e o país ainda procurava juntar os cacos de uma crise institucional que levou à presidência o vice João Goulart.

Jango assumiu em 1961 após arranjo político que estabeleceu a implantação do sistema parlamentarista no Brasil, mas também a realização de um plebiscito em 1965 para decidir se ficava mantido o sistema parlamentarista, ou o país teria que retornar ao presidencialismo.

O fato é que o plebiscito foi antecipado para o início de 1963 e, com maioria de 82%, o presidencialismo saiu vitorioso, garantindo a permanência de Jango no poder. As dificuldades enfrentadas pelo governo João Goulart, porém, levaram as Forças Armadas a assumir o país.

Na época, Gil Bezerra, que era bancário, decidiu investir na pesca da lagosta, a qual se mostrava um negócio promissor no Ceará. Para isso, contratou alguns carpinteiros navais e fez o seu primeiro barco pesqueiro, ali mesmo, no Mucuripe. O barco foi o embrião do que viria a ser o estaleiro Indústria Naval do Ceará (Inace), alguns anos depois.

Mas como a situação econômica do Brasil era refém da esfera política e a pesca ainda não gerava os frutos necessários, Elisa Gradvohl necessitou buscar emprego para ajudar. Assumiu então uma função no setor administrativo no Instituto de Medicina Preventiva da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A construção do primeiro barco de pesca por Gil Bezerra despertou o interesse de outras pessoas por esse tipo de embarcação. Aproveitando essa oportunidade de mercado, Bezerra passou também a construir barcos, aliando ao negócio a pesca de lagosta.

Como Elisa trabalhava na UFC seis horas pela manhã, o período da tarde era dedicado ao estaleiro no Mucuripe. “Eu cuidava da parte administrativa também”. A Inace foi fundada em 1969 para a construção de navios pesqueiros e depois expandiu a atuação para marinha de guerra, iates, rebocadores e outros tipos de navios de pequeno e médio porte.

A Inace foi pioneira na construção em escala de embarcações de aço soldado eletricamente, uma novidade na região. Além disso, com a aceitação pelo mercado, a empresa foi responsável por um grande incremento no prazo e nos custos de montagem das embarcações.

O resultado disso é que em apenas 20 anos foram montadas 600 embarcações, o que correspondeu a aproximadamente 80% da frota das regiões Norte e Nordeste do país. Elisa Gradvohl ficou ainda como funcionária da UFC até maio de 1980, conciliando com a parte administrativa do estaleiro. “Na UFC eu entrei sem saber nada. Mas foi a minha grande e primeira escola”.

“Saí direto da maternidade para a iniciativa privada”, afirma, para exemplificar o quanto gostava do ambiente no qual estava inserida. Em 1980, no entanto, com o crescimento do estaleiro, ficou impossível conciliar as duas atividades. “No começo, mesmo com o estaleiro, eu precisava trabalhar. Mas acabou virando um vício estar na UFC. Se eu não saísse de uma vez, eu não saía mais”.

A decisão não poderia ter sido mais acertada. No final dos anos 80, o Grupo Inace havia expandido ainda mais sua estrutura que então consistia de empresas de pesca e um frigorífico, além do estaleiro. Também no final dos anos 80, a INACE foi pioneira no emprego do alumínio na construção naval nacional privada. Também nesta década, a empresa começou a construção de iates de alto luxo.

A expansão se consolida na década de 1990 com o grupo entrando no segmento hoteleiro com o Marina Park Hotel, com atracadouro para aproximadamente 50 embarcações. O hotel é considerado estratégico para o estaleiro, já que a maioria dos clientes é de fora do estado podendo ficar hospedados no Marina, interligados ao estaleiro por uma estrada interna privativa.

Em 2009, a Inace foi outra vez pioneira ao entregar o navio patrulha "Brendan Simbwaye", encomendado pela Marinha da Namíbia, sendo o primeiro a ser construído por um estaleiro privado no Brasil.

Hoje, apesar de a trajetória empresarial estar estabelecida, Elisa Gradvohl não cansa de cobrar em favor do empresariado brasileiro. “O empresário em nosso país é um sofredor permanente. Todos, até os grandes, são sofredores. No nosso caso, fomos construindo pouco a pouco, mas não foi fácil”.

Sobre a fama de ser uma mulher “durona”, ela brinca dizendo que “sou doce”, detalhando que “os pequenos gostam de mim. São meus parceiros. Tenho funcionários de 30, 40 anos”. Responsável por toda a parte administrativa do grupo, enquanto Gil cuida da parte técnica, Elisa ressalta que são “50 anos de vida lutando contra tudo e contra todos, mas estou viva e ainda lutando”.

Hoje, dos cinco filhos, quatro trabalham nas empresas. Elisa também preside o Sindicato das Indústrias de Frios e Pesca no Estado do Ceará (Sindfrios), o que faz com que seu dia seja tomado até a noite na resolução de problemas de toda a ordem. Mas como de saúde diz estar bem, afirma peremptoriamente: “Só paro de trabalhar quando eu morrer”. E aconselha: “Você trabalhando, enchendo a cabeça, você não adoece. Só adoece quando para”.

Ao falar da Medalha com a qual será agraciada, destaca que “representa muito”, apesar de não ser vaidosa. “Existem outras pessoas que poderiam receber esta medalha, os mais jovens, porque hoje eu só acredito na juventude. Eles é que têm capacidade de mudar o Brasil”.

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