[Discurso] Luiz Esteves Neto

Discurso de Saudação do Presidente da FIEC, Dr. Luiz Esteves Neto, ao Ministro da Fazenda, Dr. Mailson da Nóbrega no Auditório da FIEC.
Fortaleza, 15 de setembro de 1989.

O Governo do Presidente Sarney estará indelevelmente marcado por dois acontecimentos dos mais importantes da história do Brasil: a transição democrática e a promulgação da Nova Constituição.

Restaurando o poder do Congresso Nacional, a Constituição de 1988 trouxe em seu bojo inúmeros institutos legais visando a dar maior equilíbrio à vida político-institucional do Pais. Alguns desses institutos figuram no capitulo que trata das finanças públicas, cujo objetivo primordial foi tirar do executivo o poder absoluto de regular toda a vida econ3mica da Nação, passando para o Congresso, o fórum mais representativo das ansiedades nacionais, a capacidade de influir nos destinos do País. Exemplo. clássico dessa Nova Ordem foi a obrigatoriedade da regionalização dos orçamentos.

Dentro deste novo contexto, a aprovação anual da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é uma feliz novidade trazida pela Constituição Federal promulgada em 1988.

Trata-se de documento que estabelece, para cada exercício, as metas, os limites e as normas que vão orientar os Orçamentos Globais da União (OGU).

O projeto da LDO de 1990, por exemplo, elaborado pelo executivo, recebeu 719 emendas sendo 635 destas acolhidas no substitutivo apresentado pelo relator. O que demonstra a grande preocupação do Congresso com a matéria e a necessidade, de agora em diante, de plena sintonia entre Executivo e Congresso, no que diz respeito à matéria orçamentária.

A LDO que regerá a ação económico—fiscal do Executivo em 1990 apresenta-se como documento austero no que diz respeito aos gastos públicos.

Toda a sociedade brasileira sabe que a conjuntura que norteou a elaboração da LDO de 1990 é de descontrole das contas do Governo e de acirramento das taxas inflacionárias mensais. Sabe—se, ademais, que o déficit público em 1989 deve ficar em torno de 6% do PIB, enquanto o de 1988 foi de 5,2%, o qual, diga-se de passagem já era preocupante.

O desequilíbrio das contas do Governo, se não levarmos em conta a receita advinda da colocação de títulos, deve chegar a 9,5% do PIB, em 1989, percentual sem precedente na economia brasileira.

Nesse contexto, merece redobrada atenção o fato de que os dispêndios com investimentos são bem inferiores aos gastos de custeio. E dentro destes últimos, o grande peso É representado pelo item “pessoal”. Enquanto se verificou uma diminuição de 30% no nível de investimentos, do ano de 1988 para este ano, a folha salarial aumentou 13% em ternos reais. A participação dos gastos com pessoal na receita disponível do Governo, isto é, aquela deduzida das transferências, teve um aumento alarmante. De fato, nos anos 70 e até o final da Velha República, situava-se em torno de 40%, com uma reduzida variância em  tomo desta média. Já em 1985, esta participação se elevou para 42% e chegou a ultrapassar 60% nos anos de 1987 e 1988 Para 1989 a estimativa é que esta participação não deverá ser menor do que 90%.

Nas atuais circunstâncias, pois, não se pode esperar a recuperação do nível de investimentos do Governo, a curto prazo, pelo que dificilmente poder-se-ia pensar, por enquanto, em leis orçamentárias que não fossem restritivas.

Aprovada a LDO, coube ao Executivo encaminhar o OGU para 1990. Este, praticamente, reduziu a zero a parcela da :receita fiscal do tesouro destinada a investimentos. Os recursos que o próximo Presidente terá para investir no primeiro ano de seu governo serão provenientes de emissão de títulos e de receita vinculada, como a do salário educação, destinada a projetos educacionais. A redução nos investimentos em 1990 é de 50% do previsto anteriormente para o ano de 1989, isto é, menor US$ 9 bilhões.

Além deste corte, várias outras medidas foram adotadas no OGU: diminuição de 50% nos gastos com publicidade, limitação da folha de pessoal à do ano atual, corrigida monetária mente etc.

No entanto, ainda perdura um déficit de 1% em relação ao PIB, para o ano de 1990.

Não precisamos nos deter em mais observações para constatar que o Governo está atravessando uma aguda crise fiscal. Urgente se faz que medidas de maior fôlego sejam adotadas. A redução dos gastos do Governo é importante e a LDO e o OGU já apontam para alguns resultados fundamentais.

Entretanto, é preciso ter em mente os efeitos que devem advir desses cortes orçamentários, principalmente sobre os investimentos.

Vale lembrar dois ponto. importantes: primeiro a taxa de crescimento do PIB brasileiro só atingiu os índices da época do “milagre” porque o setor público apresentava altos percentuais de investimento (Veja Tabela 1); segundo, a economia nordestina é muito mais dependente do setor público que a economia brasileira como um todo. De fato, enquanto a FBCF do setor público, no Brasil, representa, em média, 14% da FBCF total, no Nordeste essa participação chega a 45% (Veja Tabela 1 e 2).

Não pode, portanto, o Governo Federal tender a modificar linearmente os valores no lado da despesa. A seletividade nos cortes é fundamental, para não sacrificar ainda mais as regiões menos desenvolvidas do pais, coma é o caso do Nordeste.

Note-se, ainda, que pelo lado da receita, há muito que corrigir, se possível ainda a tempo de favorecer o OGU para 1990. O grosso da carga tributária se concentra na ‘classe média, isto é, naqueles que percebem de 10 a 25 salários mínimos; os ganhos de capital têm uma discriminação favorável quanto a alíquotas; os ricos pagam menos impostos que os pobres; a agricultura não paga imposto sobre rendimentos reais auferidos, etc.

Além disso, a nossa estrutura de tributação é diversa da vigente na maioria dos países, ai incluídos os desenvolvi dos. No caso brasileiro, as pessoas jurídicas pagam um percentual de imposto maior do que pagariam em outros países, fato que vai penalizar o consumidor, sobre o qual recai essa carga adicional, via preços. Por outro lado, grande parte da arrecadação é indireta (quase 45%), enquanto a média para 23 países (entre eles os desenvolvidos) se situa em 30%.

O alto índice de sonegação tem contribuído bastante para agravar este quadro. Os próprios dirigentes da Receita Federal, a estimam em 30% do PIB, o que parece extremamente eleva do, se verificarmos que a arrecadação de 1988 foi de 24,5% do PIB, podendo atingir 27% neste ano.

No Brasil, somente 3,5 milhões de pessoas pagam, efetivamente, o imposto de renda, de uma população de 140 milhões de habitantes, pois, embora 9 milhões de pessoas recolham o imposto, destes, 5,5 milhões recebem restituição.

No Canadá, por exemplo, 17 milhões de pessoas contribuem para o IR, de uma população de 25 milhões de habitantes. A população economicamente ativa é 20 milhões.

Enfim, há uma má distribuição da carga tributária bruta, transformando o nosso sistema fiscal em um dos mais injustos dentre os países de estrutura economicamente significativa.

Por outro lado, grande parte dessa arrecadação vai para pagamento do serviço da dívida interna, isto é, para a mão dos aplicadores financeiros, os que fazem a já famosa “ciranda”, desviando—se, para esse fim, os recursos da poupança privada que deveriam ir para o sistema produtivo, estimados em US$ 80 bilhões.

Desta forma, os técnicos do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Planejamento não devem medir esforços para solucionar o grave problema das contas do governo, levando em conta os três condicionantes aqui referidos: cortes não lineares dos investimentos públicos federais, com prioridade para as regiões mais carente, maior equidade para o sistema fiscal brasileiro e redução do serviço da dívida interna.

Na realidade, não há solução para o problema das contas públicas se não forem adequadamente solucionados os condicionantes citados porque sem resolver o problema do serviço da dívida interna, não haverá recursos para investimento, os quais dificilmente poderão vir através do aumento da carga tributária sem exaurir a capacidade de pagamento dos atuais contribuintes. E a capacidade de cortes nos investimentos praticamente já não existe, pelo baixo nível destes. E se lineares, mais injustiça e ineficiência na alocação dos recursos ocorrera.

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