PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DA FIEC, DR. JOSÉ FLÁVIO COSTA LIMA, NO 1º CONGRESSO BRASILEIRO DE RAÇÕES.
São Paulo, 05 de maio de 1982.
Senhoras e Senhores,
O problema nordestino da Indústria de Rações tem as mesmas características básicas dos problemas da Indústria desta região o centro/sul – agravado, porém, pelos gravames mais amplos de nossas carências e do subdesenvolvimento regional, tão pouco compreendido, esse último, pelas lideranças das demais regiões do país e pelos “centros de decisão” política.
É por isso mesmo que os nordestinos, sempre que se lhes oferecem oportunidades como esta, cedem à tentação de abordar aquele tema que, em última análise, ajuda à compreensão do assunto específico a ser tratado.
É que, entusiasta do progresso deste Estado, não posso, por otimismo ingênuo, acalentar ilusões, tais como a de que os graves problemas regionais deste país se solucionarão por desdobramento, ou em conseqüência do crescimento do núcleo da economia nacional, qual seja, São Paulo.
Leis econômicas, antes aceitas como de validade universal, não parecem resistir ao teste da história dos países subdesenvolvidos de hoje, nos quais se encontra o Brasil.
A nova ordem econômica internacional, que aí está, caracterizada por relações simétricas de interdependência, bem como por relações assimétricas de dominação, integra, queiramos ou não, todas as economias nacionais, inclusive a nossa. Daí porque, a trilha percorrida pelos países hoje desenvolvidos já não pode mais ser a nossa, ainda que seus erros e acertos sejam elementos a não desprezar. Dentre estes últimos, é válido preservar o sistema de economia de mercado, assegurando a liberdade de iniciativa com melhor repartição da riqueza gerada.
Situando-me na perspectivas dos que querem construir uma nação próspera, montada nos pilares da democracia e da justiça social, não posso renunciar ao dever de esboçar aqui, ainda que sumariamente, o lamentável perfil intra-brasileiro, que acopla no seu interior a oitava potência industrial do mundo e o maior bolsão de pobreza do hemisfério ocidental.
As nossas profundas distorções, das quais a mais grave é a distribuição e renda que hoje exibimos, os sérios problemas estruturais não contemplados pela política econômica e social vigente, o imenso potencial de recursos físicos e humanos subutilizados, ou mais precisamente à margem do sistema produtivo nacional, são alguns dos traços que, aliados aos déficits em nutrição, educação e saúde, refletem a nossa condição de país subdesenvolvido.
Tornou-se, hoje, consenso que o subdesenvolvimento é um fenômeno social complexo, que desborda o estritamente econômico, tomado quer sob a dimensão temporal, quer sob a espacial.
Esta complexidade se aguça no caso brasileiro, onde as diferenças inter-regionais não são apenas de ordem quantitativa que nos fizessem pensar em simples problemas de defasagem de grau de crescimento.
Bem ao contrário, estamos diante de regiões com peculiaridades culturais, sociais e econômicas próprias, não estacionárias, a se inter-relacionarem, configurando, não necessariamente evolutivo para todas.
Esta nossa constatação básica se respalda em três fontes distintas, quais sejam:
a) estudos e documentários de cunho histórico, como os de Euclides da Cunha, Caio Prado Júnior, Vianna Moog, Celso Furtado e muitos outros;
b) observação acurada da realidade que a experiência e o tempo só tendem a aprofundar;
c) dados estatísticos, complementados com informações coletadas em pesquisas sociais e antropológicas.
Embora reconhecendo a complementaridade destes fundamentos do conhecimento do nosso país que, em síntese, nos permitiriam uma abordagem analítica de nossa história, iremos nos deter, agora, no exame de alguns indicadores que, certamente, permitirão melhor compreender a nossa realidade, face à qual somos convocados a transformá-la.
É que, desde meados da década de 50, o ritmo de crescimento da economia nordestina vem ficando bem inferior ai do centro sul, acusando, àquela época, uma relação de 1 para 2. Ainda que nas duas décadas seguintes o Nordeste tenha crescido, em média, 7% ao ano, sua participação na renda nacional passou de 15% para 12% e, atualmente, situa-se em torno de 10%.
Em termos de renda per capita, no período 1949/56, este indicador cresceu a uma taxa de 1,5% no nordeste. Comparativamente, a diferença entre os níveis de renda per capita nas duas regiões, além de ser bem maior que a observada entre o centro-sul e a média dos países industrializados da Europa Ocidental, vem se acentuando cada vez mais. Confirmada esta tendência decrescente, constatou-se, ainda, que, nos anos de 1959 e 1970, a renda per capita do nordeste passou de 45% da média nacional, para 37% até atingir, em 1975, 34%.
O quadro atual, baseado no Censo Demográfico de 1980, ratifica e esvaziamento econômico do nordeste, visto que, da mão-de-obra do país, a região detém apenas 11% percebendo mais de 10 salários mínimos, enquanto que o centro-sul concentra 70% dessa faixa salarial.
Outra forma de se perceber mais detalhadamente a disponibilidade regional de renda do país está no exame da distribuição da força de trabalho, segundo os seus rendimentos.
|
NORDESTE |
CENTRO-SUL |
Sem rendimento |
51,2% |
42,5% |
Até 1 sal. min. |
31,8% |
14,4% |
De 1 a 3 sal. min. |
12,4% |
26,4% |
De 3 a 10 sal. min. |
3,7% |
13,4% |
Mais de 10 sal. min. |
0,9% |
3,3% |
Sob o ângulo do sistema produtivo, não se pode negar que a criação da SUDENE e do BNB trouxe um novo vigor para a região, cujo setor industrial vem alterando a sua estrutura produtiva. Assim é que vêm ganhando posição os ramos industriais dinâmicos, de 25% para 44% do valor da transformação industrial, reduzindo, conseqüentemente, a importância dos ramos tradicionais, de 75% para 56%. Se é bem verdade que a industrialização do nordeste é hoje irreversível, o que atesta a capacidade da região de responder positivamente aos estímulos governamentais, isto não significa que já contamos com as condições básicas de “démarrage”. Obstáculos exógenos e endógenos ao próprio subdesenvolvimento regional reduzem os efeitos multiplicadores dos recursos alocados que, aliás, cumpre destacar, não são muitos nem regulares.
Tem sido grande a evasão de recursos do FINOR, pois se em 1962 dispunha o fundo de 100% dos incentivos, agora estes estão reduzidos a menos de 20% e, ainda, destinam-se a financiar empresas estatais. Assim, apenas para tomarmos um exemplo, confrontando-se as liberações do FINOR com a receita tributária da União, constata-se, no período 1972/81, que o índice inicial ficou em 2,4%, descendo no final para 1,4%. Desse modo, se tivesse sido aplicado em 1981 o índice de 1972, o FINOR teria tido Cr$ 55,4 bilhões, o que corresponderia a quase o dobro (1,93 vezes) do efetivamente recebido neste último ano.
Além disso, deve ser ressaltado que se tem denominado de regionais somente aqueles programas específicos às áreas mais carentes (norte, nordeste e centro-oeste), enquanto outros, envolvendo projetos de alto custo, geralmente de caráter setorial, localizados no centro-sul, são rotulados de nacionais. Essa forma “sui generis” de classificação das ações do Governo Federal nas diversas regiões impede que se tenha uma visão correta da real distribuição dos recursos no país.
No âmbito do papel do Nordeste no desenvolvimento nacional, alguns dados, sintetizados pela SUDENE, comprovam a contribuição da Região. Senão vejamos:
a) o nordeste produz 1/5 do petróleo de que precisa o Brasil e, no entanto, seu consumo é de apenas 1/8; b) a indústria nordestina adquire nas demais regiões 36,1% dos recursos de que precisa, sendo 19% de São Paulo. Quanto aos seus equipamentos, a maioria provém também de São Paulo, restando 36% para comprar no exterior; c) as importações internacionais do Nordeste correspondem, em média, à metade das suas exportações, o que assegura um superávit regional.
Setorializando as relações industriais Nordeste x Centro-Sul, torna-se imprescindível examinar mais especificamente o caso da indústria de rações, de per si, e em termos de suas repercussões na oferta de alimentos, bem como na demanda de matérias-primas. Todavia, procurando respeitar o planejamento deste Congresso, que reputo bem elaborado, deverei restringir-me ao conteúdo da palestra ora proferida, deixando alguns destes aspectos para discussão no decorrer dos próximos painéis e debates.
No que diz respeito ao crédito geral e especializado, a participação do nordeste no volume total do país situa-se em torno de 12%, o que não corresponde, é claro, às necessidades da região. Constata-se, ainda, que o crédito de custeio agrícola ficou em torno de 1/6 do valor bruto da produção agrícola do nordeste, enquanto o de investimento atingiu 1/11 daquele valor. No sul e sudeste, estes valores chegaram a, respectivamente, 1/3 e 1/7.
No conjunto, as condições de financiamento em vigor, longe estão de se compatibilizarem com a diretriz proclamada e – por que não dizer? – merecida, de tratamento diferenciado ao nordeste.
Quanto à questão do mercado de alimentos, estudos do BNB chegaram a especificar, para a região, uma dieta nutricionalmente adequada e de custo mínimo, concluindo que, a partir de 1974, esta dieta passou a custar mais que o salário mínimo vigente. Nestas condições, a expansão do mercado de frangos e ovos é previsível, seja porque estes produtos são ricos em proteínas de baixo custo relativo, seja por força dos efeitos da recessão econômica que vem provocando mudanças de hábitos, levando o consumidor a refazer sua cesta de alimentos.
É igualmente significativo o problema que o Nordeste enfrenta com relação ao abastecimento do milho e da soja. A produção regional daquele insumo vem sofrendo quedas substanciais, passando de 1.510.637 t., em 1978, para 514.118 t., em 1981.
Entretanto, no cômputo geral da problemática que começa a ser levantada neste Congresso, espero que os aspectos da indústria de rações com seus efeitos para frente e para trás, na medida que forem aprofundados, gerarão soluções a serem buscadas.
Em suma, o nordeste interessa ao desenvolvimento do país e, como tal, deve ser considerado uma prioridade nacional.
Para tanto, existem instrumentos eficazes de natureza técnica que poderiam ser acionados, no sentido de reverter a tendência concentradora da atual política econômica, introduzindo novos mecanismos que atentem mais para as necessidades básicas de todos os brasileiros.
Entretanto, como dever primeiro, cumpre que uma decisão política se afirme. É urgente que se efetive a participação crescente dos agentes produtivos nas decisões que lhes dizem diretamente respeito e se persiga, gradativamente e tenazmente, as soluções que os interesses maiores da nação estão a reclamar.